Dados apontam insatisfação do consumidor com planos de saúde e movimentações na área da saúde privada
Os últimos números divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre queixas nas ouvidorias dos planos de saúde mostram uma clara insatisfação do consumidor diante das movimentações que têm ocorrido na área da saúde privada, em especial sobre a rede credenciada. O Relatório de Atendimento de Ouvidorias, documento publicado pela ANS, apura os atendimentos do ano base 2021 das 1.064 operadoras com ouvidorias cadastradas no sistema da ANS e que repassaram os dados para a autarquia. O objetivo é verificar os impactos das normas estabelecidas através das demandas dos beneficiários.
Os números não são nada positivos. O documento aponta que 24% das mais de 700 mil demandas recebidas estão relacionadas à “Rede credenciada/referenciada” e podem ser explicadas se refletirmos sobre o processo de contratação de um plano de saúde como um todo. A lista ainda traz reclamações em relação ao SAC (20,6%); Financeiro (19,2%), que envolvem problemas com cobranças, reembolso, reajustes e boletos; Administrativo (18,2%), cujo teor envolve contratos, cancelamentos e temas sobre relação comercial; e Cobertura Assistencial (17,9%), que trata de negativas de cobertura e atendimento, autorizações e rol de procedimentos.
Vamos tratar neste artigo o principal motivo das queixas dos beneficiários e de que forma questões regulatórias podem evitar esse descontentamento. O fator mais importante, independentemente do valor do convênio, é a rede credenciada: quais são os hospitais, clínicas e laboratórios que poderão ser utilizados?
Ninguém contrata um plano de saúde esperando que na hora de utilizar o convênio vai encontrar dificuldades para agendar consultas, cirurgias ou exames. Mas não é o que tem ocorrido. Todas as operadoras são obrigadas a apresentar em seus sites as informações sobre a rede credenciada e comunicar aos consumidores qualquer mudança que haja no plano depois da contratação.
Lembrando que isso é uma exceção à regra. A farra dos descredenciamentos não pode ocorrer ao bel prazer das empresas. O Art. 17 da Lei 9.656/98 prevê que a inclusão de qualquer prestador de serviço contratado, referenciado ou credenciado deve ter compromisso com os consumidores durante a vigência do acordo. Porém, as operadoras estão descumprindo as regras ao redimensionar a rede hospitalar. Ou seja, retiram um hospital ou clínica da rede credenciada, não comunicam o consumidor e não inserem uma nova unidade prestadora de serviço nas mesmas condições da anterior.
Apesar da lei dos planos de saúde prever o compromisso do convênio com os consumidores em relação à manutenção dos serviços e contratos, existe a possibilidade de remover um prestador de serviço, desde que a substituição “seja por outro prestador equivalente e mediante comunicação aos consumidores com 30 (trinta) dias de antecedência”. Até esse comunicado é desrespeitado, visto que muitos consumidores descobrem a ausência do prestador de serviço apenas no momento em que agenda uma consulta ou exame.
Essas irregularidades podem ser denunciadas na ANS. Segundo regras da autarquia, não comunicar mudanças na rede hospitalar é uma irregularidade que pode ser punida com aplicação de multa.
Essa tem sido uma jogada cada vez mais batida, principalmente, pelos grandes conglomerados da saúde. Em movimentações de compra, fusão ou aquisição, normalmente envolvendo operadoras e redes de clínicas ou hospitais, a lista de prestadores de serviço sofre uma fragmentação, causando retrocesso para o mercado suplementar e desgaste para o consumidor.
Casos recentes demonstraram que há, inclusive, descontentamento dos próprios agentes do mercado, que alegam, entre outros pontos, a maior concentração no setor de saúde em determinadas cidades, elevação das barreiras para entrada nos mercados que são impactados pela operação, conflitos de interesses e transferência de informações sensíveis do setor.
Embora o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) seja o órgão responsável pela aprovação dessas movimentações, a ANS também possui poder para barrar ou questionar as transações. No entanto, fica assistindo a esse impasse que gera a verticalização do mercado, fazendo vista grossa para as movimentações do setor.
Apesar de ter instituído o relatório das ouvidorias dos planos de saúde, o que a sociedade espera é de que forma esses dados serão usados para trazer mais transparência para as relações de consumo e previsibilidade para o consumidor e para o mercado. Na agenda regulatória para o próximo triênio nenhum desses pontos foi mencionado. Enquanto isso, a inércia da autarquia afoga o Poder Judiciário.
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